quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Nakano: governo Dilma avança para o crescimento acelerado


Por Marco Antonio L.
Do Valor
Mudança de regime
Yoshiaki Nakano
Define-se um regime de política macroeconômica pelo conjunto de políticas e sua interação, dadas as condições institucionais específicas e sujeitas às estratégias dos diversos grupos de interesse e dos "policy makers". Assim, quando se fala de mudança de regime, não se limita a mudanças na escolha e nas definições de conteúdo dos instrumentos e metas das políticas monetárias, cambial e fiscal. Refere-se às condições das políticas mais persistentes, com efeitos mais longos do que um ciclo. Neste artigo vamos definir um regime a partir da sua capacidade de gerar ou não crescimento e também emprego.
Neste sentido, podemos caracterizar tanto o regime de política macroeconômica implantado logo depois do Plano Real, em julho de 1994, bem como o implantado em resposta à crise de balanço de pagamentos, em janeiro de 1999, como voltados à estabilidade e não ao crescimento.
Durante o governo Lula tivemos uma transição, com algumas modificações nas políticas e, de fato, o crescimento se acelerou, em função de choques exógenos (melhoria em termos de troca, e mudanças demográficas e esgotamento da oferta ilimitada de trabalho), mas não chegou a ser implantado um novo regime de políticas. Com o governo Dilma, a transição avança de forma lenta e gradual, mas firme para um regime de políticas voltadas para o crescimento mais acelerado.
O governo Dilma avança de forma lenta, gradual e firme para políticas voltadas para o crescimento acelerado
Na essência, na sua caracterização mais ampla e geral, o regime de política macroeconômica, que gerou um longo periodo de semiestagnação e que antecedeu o governo Dilma, pode ser definido, fundamentalmente, a partir da sua política monetária. Nessa política, acreditava-se que o elemento dinâmico de economias como a brasileira estava no exterior, nos fluxos de capitais e nos mercados, particularmente, o financeiro. Assim, as reformas institucionais deviam liberalizar a conta de capitais, remover as restrições ao acesso do capital estrangeiro e constituir garantias ao investidor estrangeiro.
Feitas essas reformas, basta controlar a inflação e manter a taxa de juros doméstica acima da internacional que o capital externo fluiria para o Brasil e o mercado financeiro se encarregaria de alocar os recursos eficientemente para investimentos e cresceríamos de acordo com o nosso potencial.
Não foi isso o que aconteceu, a economia tendeu à semiestagnação. Empiricamente, nesse período, não há nenhuma correlação entre a entrada de capitais e taxa de investimento; ao contrário, esta tendeu a se reduzir.
Com o regime de taxa de câmbio rígida, a inflação levou à apreciação da taxa real de câmbio e à consequente crise de balanço de pagamentos de 1999, seguida de forte depreciação. Em seguida, com um câmbio flexível e uma taxa de juros doméstica mais elevada do que a internacional, a taxa de câmbio passa a ser determinada pela entrada de capitais e menos pelas exportações e importações, com tendência persistente de apreciação da cambial, particularmente, a partir de 2004.
Esse regime teve sobre o setor industrial efeitos extremamente perversos. Uma forma típica do empresário sobreviver num regime com tendência persistente à apreciação do câmbio era, primeiro, importar insumos para enfrentar a competição e, com apreciação adicional, importar produto final colocando sua marca, tornando-se um mero distribuidor. Como se importa com prazo de pagamentos, as receitas financeiras complementavam os seus lucros. Eliminavam-se, assim, os principais efeitos dinâmicos da cadeia da indústria: ampliação de investimentos - incorporação de novas tecnologias e ganhos de escala - aumento de produtividade etc.
A presidente Dilma vem, aos poucos, fazendo sucessivas rupturas nesse regime de políticas. Primeiramente, anunciou explicitamente seu objetivo de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de pelo menos 5% ao ano. Em seguida, controlou a despesa do governo para poder baixar a taxa de juros, afrouxando a política monetária.
Mas foi em agosto de 2011 que a política monetária, que vinha ensaiando mudanças, sofreu realmente uma ruptura com o regime anterior, iniciando uma trajetória de queda na taxa de juros sem precedentes no período recente, removendo inclusive o piso de 6% real imposto pela caderneta de poupança.
Mudanças na política de balanço de pagamentos, desde o governo Lula, amadurecem num controle mais efetivo sobre a taxa de câmbio, com a tributação das operações no mercado de câmbio futuro. Caminhamos, assim, para um regime de política monetária com duas metas - taxa de inflação e crescimento e emprego - com dois instrumentos operacionais, controles das taxas de juros e de câmbio e instrumentos adicionais, macroprudenciais, tributação e nova regulação.
Ao lado dessas mudanças nas políticas fiscal, monetária e cambial, as decisões de tomar medidas compensatórias com incentivos fiscais, desonerações tributárias e outras voltadas para melhorar a competividade da nossa indústria revertem o polo de crescimento de fora para dentro do país e tentam deslocar dos serviços e não "tradables" para a indústria e "tradables".
A decisão de recorrer à parceria com o setor privado para ampliar investimentos em infraestrutura e ter um planejamento de longo prazo no setor de logística, com a criação de empresa estatal para contornar a incompetência da burocracia, deverão, por fim, acabar de mudar o regime de política fiscal de instrumento anticíclico para instrumento de crescimento.
Essas mudanças alteram o regime de política macroeconômica ao mesmo tempo em que novas perspectivas de aceleração forte do crescimento se apresentam. Estamos, neste momento, vivendo uma difícil transição, de ter que reverter o processo de substituição da produção nacional por importados, iniciando a recuperação da indústria nacional, isto é, a reindustrialização do Brasil e com ganhos de produtividade. O redistribuidor de importados terá que voltar a ser um industrial.
Yoshiaki Nakano, ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP), professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas - FGV/EESP