sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Estado de exceção - L.G. Belluzzo


 A lei promulgada pelo regime nazista em 1935 prescrevia que era “digno de punição qualquer crime definido como tal pelo ‘saudável sentimento’ popular’”. No Mein Kampf, Adolph Hitler proclamava que a finalidade do Estado é preservar e promover uma comunidade fundada na igualdade física e psíquica de seus membros.
Herbert Marcuse escreveu o ensaio O Estado e o Indivíduo no Nacional-Socialismo. Ele considerava a ordem liberal um grande avanço da humanidade. Sua emergência na história submeteu o exercício da soberania e do poder ao constrangimento da lei impessoal e abstrata. Mas Marcuse também procurou demonstrar que a ameaça do totalitarismo está sempre presente nos subterrâneos da sociedade moderna. Para ele, é permanente o risco de derrocada do Estado de Direito: os interesses de grupos privados, em competição desenfreada, tentam se apoderar diretamente do Estado, suprimindo a sua independência formal em relação à sociedade civil.
Foi o que aconteceu no regime nazista. O Estado foi apropriado pelo “movimento” racial e totalitário nascido nas entranhas da sociedade civil. Os tribunais passaram a decidir como supremos censores e sentinelas do “saudável sentimento popular”, definido a partir da legitimidade étnica dos cidadãos. A primeira vítima do populismo judiciário do nazismo foi o princípio da legalidade, com o esmaecimento das fronteiras entre o que é lícito e o que não é. Leio que circula nos meios judiciários a ideia de “flexibilizar” a tipificação da conduta criminosa. Vou dar um exemplo, talvez um tanto exagerado: se João de Tal arrotar na rua, corre o risco de ser enquadrado no crime de atentado violento ao pudor.
Trata-se da emergência, na esfera jurídico-política, da exceção permanente. Coloca-se em movimento a lógica do poder absoluto, aquele que não só corrompe, como corrompe absolutamente. Os cânones do Estado de Direito impõem aos titulares da prerrogativa de vigiar, julgar e punir o delicado sopesamento das relações entre a garantia dos direitos individuais, a publicidade dos atos praticados pela autoridade e a impessoalidade do procedimento persecutório. O consensus iuris é o reconhecimento dos cidadãos de que o direito, ou seja, o sistema de regras positivas emanadas dos poderes do Estado, legitimado pelo sufrágio universal, é o único critério aceitável para punir quem se aventura à violação da norma abstrata.
Já há muito tempo, não só no Brasil, mas também no resto do mundo, sucedem-se os episódios de constrangimento midiático das funções essenciais do Estado de Direito, para perseguir adversários, ajudar os amigos, quando não cuidar de legislar em causa própria. A exceção permanente inscrita nos métodos de justiçamento midiático é funesta para o Estado Democrático de Direito: transforma as autoridades em heróis vingadores, encarregados de limpar a cidade (ou o País), ainda que o preço seja deseducar os cidadãos e aumentar a sensação de insegurança da sociedade. Nessa cruzada militam os que fazem gravações clandestinas ou inventam provas e os jornalistas que, em nome de uma “boa causa”, tentam manipular a opinião pública.
Os apressadinhos não se cansam de dizer que o Judiciário é lento. Poderia e deveria, com mais recursos, pessoal e, sobretudo, com o aperfeiçoamento dos códigos de processo, tornar-se mais rápido. Mas, num sentido profundo, a lentidão é uma virtude do Judiciário. Melhor seria dizer que a instantaneidade dos tempos da web é estranha ao bom cumprimento da prestação jurisdicional. Não haverá julgamento justo sem o contraditório entre as partes, a exibição de provas, os depoimentos. A formação da convicção do juiz, qualquer estudante de Direito sabe, depende da argumentação das partes.
Invocar a virtude, a honestidade ou os bons propósitos para contestar a impessoalidade e o “formalismo” da lei é a maior corrupção praticada contra a vida democrática. Montesquieu dizia que há insanidade na substituição da força da lei pela presunção de virtude autoalegada.
O Judiciário era rápido e eficiente na União Soviética de Stalin ou na Alemanha de Hitler. Os processos terminavam sempre de forma previsível e o contraditório não passava de uma encenação. Tudo estava justificado pelas razões superiores do Reich de Mil Anos ou pelos imperativos da construção do socialismo.

Negros já somam 52% da classe média brasileira




Por Sergio Leo | De Brasília
Negros, trabalhadores com ensino fundamental incompleto ou sem escolaridade e trabalhadores do setor formal foram os brasileiros que mais contribuíram para aumentar o número de pessoas na chamada "classe média" do país - brasileiros em famílias com renda entre R$ 291 e R$ 1.019 por pessoa, em 2012.
A definição, adotada pelo governo para indicar a população no estamento médio de renda do país, pouco tem a ver com o conceito sociológico de "classe média", tradicionalmente ligado aos chamados trabalhadores de "colarinho branco" e nível médio de instrução. Nessa classe média, 64% tem, no máximo, ensino fundamental completo. De cada cem novos integrantes nos últimos dez anos, 64 não completaram o ensino fundamental.
O novo perfil da classe média brasileira à qual se agregaram quase 40 milhões de pessoas nos últimos dez anos será divulgado na segunda-feira pelo ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), Wellington Moreira Franco, em um fórum promovido para discutir o tema. O estudo da SAE, atualizado com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) de 2011, estima que a classe média representa, hoje, 52% da população brasileira (e não 53%, como se previu no início do ano) e cresceu, nos últimos dez anos, principalmente com o aumento de renda da população negra: de cada cem novos entrantes na classe média, 75 eram negros.
Os autores do estudo da SAE reconhecem ser polêmica a escolha do intervalo entre R$ 291 e R$ 1.019 per capita para definir a classe média, embora útil para verificar as mudanças no nível e na desigualdade de renda no Brasil. Argumentam, porém, que apenas 18% da população mundial ganha acima desse limite, e 54% estão abaixo do limite inferior de R$ 291. Por esse critério, é da classe alta uma família de quatro pessoas em que pai e mãe ganham juntos, R$ 4.077. O critério é reconhecido pela Organização pela Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que, no entanto, considera frágil a situação econômica dessa classe média emergente.
A SAE constatou que 28% da população, cerca de 50 milhões de pessoas, estão na classe baixa. O estudo mostra que, se o crescimento de renda tivesse ocorrido de maneira homogênea, sem mudar a distribuição de renda, o aumento da classe média teria sido menor. Cerca de dois terços do aumento da classe média nos últimos dez anos se deu, principalmente, pela redução da desigualdade de renda no país.
As regiões com maior número de pessoas que ascenderam à classe média foram o Sudeste (36% dos entrantes) e o Nordeste (34%), que concentram a maior parte da população nacional.
A maior transformação se deu, porém, nas regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste, o que, para a SAE, reduziu a disparidade regional no país. O Nordeste, que tinha apenas 22% de sua população na classe média, passou a ter 42%. O Norte passou de 31% a 48% e o Centro-Oeste, de 40% a 57%. O Sul, embora tenha sido a região com a menor expansão de percentual nessa faixa de renda (apenas nove pontos percentuais) é a região com maior proporção de pessoas na classe média, 58%.
Para a SAE, esse contingente da população agora reflete mais fielmente a heterogeneidade da sociedade nacional, ao reunir, por exemplo grande parcela de pessoas com ensino fundamental completo e também de analfabetos funcionais. Aumentou bastante o número de pessoas de classe média entre os trabalhadores informais: eram 38% em 2011; são 52% em 2012.
Evolução quase idêntica ocorreu entre os inativos: em 2002, 38% eram dessa faixa de renda; hoje são 51%. No total de pessoas de classe média, porém, os trabalhadores formais são maioria: 58% da população ocupada nessa faixa de renda.
Com a entrada maciça de pessoas negras na classe média, os negros passaram de 38% desse segmento em 2002 para 52% em 2012. Vendo essa mudança por outro ângulo, os especialistas da SAE apontam que não só aumentou o número de negros na classe média como aumentou o número de pessoas de classe média entre os negros. Em 2002, as pessoas de classe média eram 31% da população negra; em 2012, essa proporção está em 52%.
A SAE constatou que, enquanto o número de pessoas de classe média aumentou para a maioria das atividades econômicas, ele se reduziu nos setores de administração pública e de educação, saúde e serviços sociais. Essa queda se deveu, porém, à elevação de renda nesses setores: o percentual de pessoas da classe alta na administração pública subiu de 33% em 2002 para 46% em 2012, e no setor de educação, saúde e serviços sociais aumentou de 35% para 48%. Em ambos os setores, caiu o percentual de pertencentes à classe baixa, com menos de R$ 291 de renda mensal por pessoa da família.


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